quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Hoje, Menos Fome Com Betinho, Mas Ainda Sem Saúde e Educação


Filho e cachorro com ossos à mostra, revirando lixo. Choro de fome. Peito seco, sem leite. Magreza enrugada, com olhos fundos. Miséria sem esperança...Crianças e guaipecas famintos disputando restos de comida podre. Lixão fedendo no sol quente. Disenteria solta, feito torneira estragada... Vida sem vida, lixão do Rio de Janeiro, 1990; mulheres com lenço sujo na cabeça e pés no chão. Suor, piolho e sarna disputando espaço no fedor do corpo cansado. Mundo sem bandeira, nem cores. Se existisse, seria trapo, comida pra bicho ou tapava corpo pelado...
Do outro lado do nada, tudo. Muito fácil, com restos de comida jogados no lixo quase limpo. Outro mundo, sem fome. Sobra de pão, diferente, colorido, cheiroso. Gente com roupas de todas cores, imitando flor. Mulheres com caracol de pedras no pescoço e braços. Couro de animal bem tratado e curtido feito bolsas, igual ao que cobriam os pés.
Nesta época, quase fim do século passado, poucos se preocupavam com os diferentes mundos paralelos, no mesmo Brasil. A antiga promessa de 1889 da proclamada república brasileira pra corrigir as diferenças sociais, a miséria, a fome, não tinha sido cumprida.
Prometeu-se na campanha pela República, um fim das cópias de extravagâncias europeias em Petrópolis, cujo nome homenageava o Imperador. Analfabetismo, distribuição de terra e renda seriam atendidos no novo modelo de governo que acabava com a monarquia. Fim também de condes, barões, marqueses, reverências e privilégios.
Porém, pouco mais de cem anos e tudo igual na utopia republicana. A fome se multiplicava em terras improdutivas; coronéis do açúcar e café só trocaram de nomes. Miséria continua.
Um século do novo regime se passou com promessas não cumpridas. Em 1990, uma multidão no Rio, com Betinho à frente, criava a Ação e Cidadania contra a Fome, Miséria e pela Vida. Mais um nome perdido ou mais promessas?
Traços de doença crônica estampados, Betinho ou Herbert José de Sousa, com ficha corrida contra a ditadura brasileira, andou pelo mundo no exílio; reforçou, porém, conceitos de democracia, incubando uma criação de movimentos pelos excluídos.
Embrião de esperança social contra a fome se espraiava, subia morros, descia ladeiras, corria junto a esgoto a céu aberto, alcançava a região da seca nordestina...Menos fome, mais respeito. Esperança pro filho franzino e ranhento; quem sabe, escola pro outro, desdentado...
Betinho integrou forças políticas, mas a luta pelo social deixou a grande marca. Das ideias nasceram projetos, realizações concretas. A miséria não acabou, mas diminuiu.  Encontrou solidariedade em cartões assistenciais de sucessivos governos.
Entretanto abusos populistas recentes, com modelos de assistência vale tudo em troca de votos, deturparam a inspiração de Betinho. Mesmo assim, a boa intenção criativa foi válida.
Porém, além do combate à fome, democracia e cidadania têm muito espaço a ser conquistado “nesta nova República pós 1988”. O caminho correto é a obediência aos direitos constitucionais: Saúde e Educação. Grandes nações como Coréia do Sul, Japão e Alemanha, por exemplo, encontraram há muito tempo a rota certa.

Panelas se encheram mais, barrigas também. Hoje, menos desnutrição e lixões. Valeu o trabalho de Betinho. Franzinos, ranhentos e desdentados, porém, merecem ainda mais atenção. Comida, Escola e Saúde é o trio de maior prioridade que o lema positivista de Auguste Comte, Ordem e Progresso, plantado no verde louro e no amarelo ictérico de nossa bandeira “republicana”. 

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