terça-feira, 17 de junho de 2014

Kitsch e Cultura de Massa




“E daí, comadre, quando vai pra Aparecida? Me traz de lá uma imagem da nossa padroeira e uma medalhinha?”. Peguntou à amiga, também devota de Nossa Senhora. Sem saber, estava pedindo um kitsch.

Kitsch é uma palavra de origem alemã com aplicação e significado discutíveis. Usado para nomear objetos de valor estético, deturpado, exagerado ou uma cópia considerada inferior à original. São associados ao gosto individual, utilizando valores de tradição cultural.

O termo kitsch teria origem na metade do século XIX, em Munique, na Alemanha, considerada Atenas da Europa Central. É aceita como a capital geográfica do kitsch, sendo os núcleos secundários, Paris, Düsseldorf, Bruxelas e Chicago.

Iniciou na Alemanha e a palavra significava fazer móveis novos a partir de velhos; vender uma coisa em lugar de outra ou ainda uma pintura barata, de baixa qualidade, classificada como “lixo”. Outra aplicação do termo, decorreu do pedido dos ricos turistas americanos que encomendavam aos pintores de Munique, um esboço artístico e recebiam em troca do pagamento, apenas um desenho comercial.

O uso do kitsch não se limitou aos locais de nascimento. Invadiu também o campo, misturando-se a outras fronteiras e culturas. Até na Ásia, são estampadas garotas em capas de calendário, substituindo produtos nativos; tornou a lembrança industrializada mais barata que outra feita à mão.   

Um objeto é considerado kitsch se for imitação de uma obra de arte ou material, conotação de exagero, tanto na linguagem visual como verbal; ocupação de espaço errado, como um carrinho de pedreiro usado como jardineira; perda da função original, como uma garrafa de bebida usada como castiçal; apelo ao sentimentalismo; disseminação de um produto com público reduzido para um maior, ampliado.
   
Pode chegar ao modelo grotesco, como bules, com bico em forma de órgão sexual masculino, almofadas em forma de seios, camisetas com palavrões obscenos e assim por diante. Assim, muitas vezes é considerado “uma oposição ao conceito de arte, ou ainda uma expressão artística de má qualidade”. Desse modo, desde o início, já tinha uma associação pejorativa.

Hoje, são considerados kitsch, a falsificação de materiais como madeira pintada imitando mármore, ou por exemplo, de zinco dourado como bronze, aparentando nobreza; ou ainda,  cópia ou adaptação de modelos eruditos, com cores exóticas e exageradas.

Objetos kitsch, via de regra, produzem “resposta emocional automática e irrefletida”. São, dessa maneira, gatinhos de porcelana, bonecos de pelúcia, anões de jardim, postais nevados da Suíça, ímans e pinguins em geladeira; flores de plástico, jarra em forma de abacaxi, carrinho de pedreiro, usado como jardineira; garrafa de vinho como castiçal e assim por diante.

Mas não são apenas conotações de reprodução comum que são consideradas bregas e baratas. Imitações de obras artísticas podem ter atenção especial. Gravuras originais, por exemplo, vendidas em museus famosos como o Louvre, podem alcançar valores expressivos.

Todavia, o apelo emocional, já comentado como característica de kitsch, é usado de forma política, explorando mitos culturais, na consciciência do receptor. Isso fez Catherine Lugg, considerar o kitsch como uma “bela mentira”.

Especialmente quando for usado em campanhas eleitorais, que se valem de símbolos patrióticos, com imagens chocantes do povo sofrido, crianças saudáveis, comparadas ao lado de outras socialmente excluídas. Até Hitler, Stalin e Franco utilizaram kitsch políticos para atingir objetivos totalitários.

Em nosso país, o exemplo dessa situação política é o kitsch-cartão, vale tudo. Foi criado em governos anteriores, com a boa intenção, de estímulo à adesão escolar e ao necesssário apoio emergencial às famílias carentes. Hoje é explorado com caráter permanente, com fins eleitoreiros, desestimula o trabalho digno e a ascenção social.

Porém, uma crítica ao aparecimento dos modelos reprodutivos do kitsch em relação aos artísticos surgiu das elites. Consideravam uma afronta da classe média em ascenção, que não aceitava ou não entendia a arte de vanguarda; mas desejava participar do “universo da arte, querendo parecer culta e alcançar status social”. Adquiriu o significado de “falsificação” a partir de 1860.

Todavia, a maior censura veio da análise da cultura de massa. O kitsch foi motivo de muitas críticas por Adorno, Horkheimer, Marcuse e Walter Benjamin da Escola de Frankfurt. Diziam que no kitsch, “a obra de arte perdeu a autenticidade, a aura do iluminismo estético e identificavam sua origem na cultura de massa e na industrialização”.

 Por cultura de massa se entende um fruto do capitalismo e da globalização, visando a industrialização das sociedades. Tem papel centralizador e tornou mais semelhantes  as diferentes culturas dos povos, utilizando os meios de comunicação, como TV, rádio, jornais e revistas e toda e qualquer fonte de informação.

A indústria cultural é direcionada ao consumismo pela comunicação de massa e ambas não podem ser tratadas como coisas distintas. São capazes de atingir um grande número de indivíduos, transmitindo conhecimentos ou alienar as pessoas.

O kitsch surgiu, assim, apoiado pelo gosto da sociedade de consumo da indústria cultural e pelos meios de comunicação de massa, através dos caminhos da globalização. Para Umberto Eco, o kitsch “é quase uma nulidade, não passa de uma citação, incapaz de produzir um contexto novo”.

Roger Scruton, o considerou “uma deficiência emocional, que transforma o ser humano em uma boneca, que num momento cobrimos de beijos e no outro despedaçamos”. E as obras de arte reproduzidas seriam mercadorias da indústria cultural.

Porém, o kitsch não deve ser visto apenas com relação negativa. Pode ser uma solução para problemas sociais. Por exemplo, pneus velhos usados para balanços em parquinhos de escolas públicas, barateam custos e diminuem riscos de choques nas brincadeiras entre crianças.

Para Frascina, “nem um único ítem kitsch é desprovido de valor positivo, ele dá emprego e lucro pra milhões de pessoas”. Abraham Moles, diz que “o kitsch tem função pedagógica importante, constituindo uma passagem obrigatória na educação do gosto popular, conduzindo do falso em direção ao autêntico”. 

Além disso, o kitsch pode ter aspecto criativo, econômico e prático, por exemplo, no carnaval brasileiro que é o maior teatro aberto do mundo. Alumínio imitando prata, materiais reciclados pintados, semelhante a ouro, dão brilho às escolas de samba.

No livro “O Kitsch”, Moles valoriza o caráter multifuncional de um saca rolhas, abridor de latas e de garrafas, em uma única peça. Outros, um mini despertador com função de porta retrato ou uma caneta termômetro em miniatura.

O kitsch citado no início, representado pela imagem de Nossa Senhora Aparecida e na medalhinha encomendada pela comadre, têm importante significado espiritual. A arte sacra desenvolve muita influência positiva, junto ao público destinado, pelos valores atingidos, respeitando a bagagem cultural de cada povo. Em relação à pintura ou escultura, igualmente nem todos podem ter acesso à aquisição de obras de arte autênticas ou visitar grandes museus para vê-las, ao vivo.


Assim, plástico, cerâmica, gesso, impressão gráfica em gravuras originais ou não, tornam possível contemplar Rembrant ou Van Gogh; obras de Gauguin ou o enigmático sorriso da Monalisa; uma réplica da Pietá ou uma escultura de Rodin, ou ainda, uma estatueta reproduzindo “Nascimento de Vênus”, de Botticelli, na sala de estar, contemplando diariamente, mesmo sendo uma cópia e valorizando a genialidade das criações humanas.

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