“E daí, comadre, quando vai pra
Aparecida? Me traz de lá uma imagem da nossa padroeira e uma medalhinha?”.
Peguntou à amiga, também devota de Nossa Senhora. Sem saber, estava pedindo um kitsch.
Kitsch é uma palavra de origem
alemã com aplicação e significado discutíveis. Usado para nomear objetos de
valor estético, deturpado, exagerado ou uma cópia considerada inferior à
original. São associados ao gosto individual, utilizando valores de tradição
cultural.
O termo kitsch teria origem na metade
do século XIX, em Munique, na Alemanha, considerada Atenas da Europa Central. É
aceita como a capital geográfica do kitsch, sendo os núcleos secundários,
Paris, Düsseldorf, Bruxelas e Chicago.
Iniciou na Alemanha e a palavra
significava fazer móveis novos a partir de velhos; vender uma coisa em lugar de
outra ou ainda uma pintura barata, de baixa qualidade, classificada como
“lixo”. Outra aplicação do termo, decorreu do pedido dos ricos turistas
americanos que encomendavam aos pintores de Munique, um esboço artístico e
recebiam em troca do pagamento, apenas um desenho comercial.
O uso do kitsch não se limitou
aos locais de nascimento. Invadiu também o campo, misturando-se a outras
fronteiras e culturas. Até na Ásia, são estampadas garotas em capas de
calendário, substituindo produtos nativos; tornou a lembrança industrializada
mais barata que outra feita à mão.
Um objeto é considerado kitsch se
for imitação de uma obra de arte ou material, conotação de exagero, tanto na
linguagem visual como verbal; ocupação de espaço errado, como um carrinho de
pedreiro usado como jardineira; perda da função original, como uma garrafa de
bebida usada como castiçal; apelo ao sentimentalismo; disseminação de um
produto com público reduzido para um maior, ampliado.
Pode chegar ao modelo grotesco,
como bules, com bico em forma de órgão sexual masculino, almofadas em forma de
seios, camisetas com palavrões obscenos e assim por diante. Assim, muitas vezes
é considerado “uma oposição ao conceito de arte, ou ainda uma expressão
artística de má qualidade”. Desse modo, desde o início, já tinha uma associação
pejorativa.
Hoje, são considerados kitsch, a falsificação
de materiais como madeira pintada imitando mármore, ou por exemplo, de zinco
dourado como bronze, aparentando nobreza; ou ainda, cópia ou adaptação de modelos eruditos, com
cores exóticas e exageradas.
Objetos kitsch, via de regra,
produzem “resposta emocional automática e irrefletida”. São, dessa maneira, gatinhos
de porcelana, bonecos de pelúcia, anões de jardim, postais nevados da Suíça,
ímans e pinguins em geladeira; flores de plástico, jarra em forma de abacaxi,
carrinho de pedreiro, usado como jardineira; garrafa de vinho como castiçal e
assim por diante.
Mas não são apenas conotações de
reprodução comum que são consideradas bregas e baratas. Imitações de obras
artísticas podem ter atenção especial. Gravuras originais, por exemplo, vendidas
em museus famosos como o Louvre, podem alcançar valores expressivos.
Todavia, o apelo emocional, já comentado
como característica de kitsch, é usado de forma política, explorando mitos
culturais, na consciciência do receptor. Isso fez Catherine Lugg, considerar o kitsch
como uma “bela mentira”.
Especialmente quando for usado em
campanhas eleitorais, que se valem de símbolos patrióticos, com imagens
chocantes do povo sofrido, crianças saudáveis, comparadas ao lado de outras
socialmente excluídas. Até Hitler, Stalin e Franco utilizaram kitsch políticos
para atingir objetivos totalitários.
Em nosso país, o exemplo dessa
situação política é o kitsch-cartão, vale tudo. Foi criado em governos
anteriores, com a boa intenção, de estímulo à adesão escolar e ao necesssário
apoio emergencial às famílias carentes. Hoje é explorado com caráter
permanente, com fins eleitoreiros, desestimula o trabalho digno e a ascenção
social.
Porém, uma crítica ao
aparecimento dos modelos reprodutivos do kitsch em relação aos artísticos surgiu
das elites. Consideravam uma afronta da classe média em ascenção, que não
aceitava ou não entendia a arte de vanguarda; mas desejava participar do
“universo da arte, querendo parecer culta e alcançar status social”. Adquiriu o
significado de “falsificação” a partir de 1860.
Todavia, a maior censura veio da
análise da cultura de massa. O kitsch foi motivo de muitas críticas por Adorno,
Horkheimer, Marcuse e Walter Benjamin da Escola de Frankfurt. Diziam que no kitsch,
“a obra de arte perdeu a autenticidade, a aura do iluminismo estético e
identificavam sua origem na cultura de massa e na industrialização”.
Por cultura de massa se entende um fruto do capitalismo
e da globalização, visando a industrialização das sociedades. Tem papel
centralizador e tornou mais semelhantes as
diferentes culturas dos povos, utilizando os meios de comunicação, como TV,
rádio, jornais e revistas e toda e qualquer fonte de informação.
A indústria cultural é
direcionada ao consumismo pela comunicação de massa e ambas não podem ser
tratadas como coisas distintas. São capazes de atingir um grande número de
indivíduos, transmitindo conhecimentos ou alienar as pessoas.
O kitsch surgiu, assim, apoiado
pelo gosto da sociedade de consumo da indústria cultural e pelos meios de comunicação
de massa, através dos caminhos da globalização. Para Umberto Eco, o kitsch “é
quase uma nulidade, não passa de uma citação, incapaz de produzir um contexto
novo”.
Roger Scruton, o considerou “uma
deficiência emocional, que transforma o ser humano em uma boneca, que num
momento cobrimos de beijos e no outro despedaçamos”. E as obras de arte
reproduzidas seriam mercadorias da indústria cultural.
Porém, o kitsch não deve ser
visto apenas com relação negativa. Pode ser uma solução para problemas sociais.
Por exemplo, pneus velhos usados para balanços em parquinhos de escolas
públicas, barateam custos e diminuem riscos de choques nas brincadeiras entre crianças.
Para Frascina, “nem um único ítem
kitsch é desprovido de valor positivo, ele dá emprego e lucro pra milhões de
pessoas”. Abraham Moles, diz que “o kitsch tem função pedagógica importante,
constituindo uma passagem obrigatória na educação do gosto popular, conduzindo
do falso em direção ao autêntico”.
Além disso, o kitsch pode ter
aspecto criativo, econômico e prático, por exemplo, no carnaval brasileiro que
é o maior teatro aberto do mundo. Alumínio imitando prata, materiais reciclados
pintados, semelhante a ouro, dão brilho às escolas de samba.
No livro “O Kitsch”, Moles
valoriza o caráter multifuncional de um saca rolhas, abridor de latas e de
garrafas, em uma única peça. Outros, um mini despertador com função de porta
retrato ou uma caneta termômetro em miniatura.
O kitsch citado no início, representado
pela imagem de Nossa Senhora Aparecida e na medalhinha encomendada pela
comadre, têm importante significado espiritual. A arte sacra desenvolve muita
influência positiva, junto ao público destinado, pelos valores atingidos,
respeitando a bagagem cultural de cada povo. Em relação à pintura ou escultura,
igualmente nem todos podem ter acesso à aquisição de obras de arte autênticas
ou visitar grandes museus para vê-las, ao vivo.
Assim, plástico, cerâmica, gesso,
impressão gráfica em gravuras originais ou não, tornam possível contemplar
Rembrant ou Van Gogh; obras de Gauguin ou o enigmático sorriso da Monalisa; uma
réplica da Pietá ou uma escultura de Rodin, ou ainda, uma estatueta
reproduzindo “Nascimento de Vênus”, de Botticelli, na sala de estar, contemplando
diariamente, mesmo sendo uma cópia e valorizando a genialidade das criações
humanas.
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