terça-feira, 15 de abril de 2014

TV e Cultura no Brasil




Recém descoberta, a Terra de Santa Cruz dos tupiniquins, recebia com surpresa a chegada dos brancos. A comunicação era difícil no começo, o medo ameaçava culturas opostas.  Mau cheiro dos recém chegados sem banho, misturado com a nudez ingênua dos selvagens.

Espelhos ofertados empolgavam os índios; admiravam-se com a própria imagem, antes só refletida na clareza dos rios. O contato no início foi amistoso. Não houve resistência ao invasor, cheio de presentes.

No quadro pintado pelo catarinense Vitor Meireles, da Primeira Missa do Brasil, celebrada em abril de 1500, se observa a aceitação dos indígenas; acompanhando os fatos com naturalidade, até trepados nas árvores. Usavam penas também pra cobrir os genitais, acomodando a vontade dos brancos.

Aos poucos, porém, foram alvos de interesses. Representavam mão de obra barata nas plantações e exploração do pau-brasil. Entretanto, aos jesuítas só interessava a catequese dos pagãos; conversão pra Igreja, salvação das almas, uso de “roupas decentes” e ensino da língua da Coroa Portuguesa.

Todavia, os índios não se submetiam ao trabalho escravo. Não davam valor à produtividade, ao acúmulo de riquezas. Fugiam do regime forçado.  A energia era usada pra caça, pesca e guerra com outras tribos. Mas a Igreja Católica não desistia da pregação cristã.

Nativos com “roupas” e hábitos diferentes, fugiam pra outras terras das perseguições, interessadas na mão de obra. Até bandeirantes paulistas queriam prender os selvagens. Na ânsia da conversão jesuíta, ritos e valores indígenas, pajelança, tudo passou a ser questionado. 

Iniciavam, assim, os primeiros passos da aculturação. A cultura de um povo é concebida como “acúmulo de experiências de efeito favorável”. Aculturação, porém, “produz outro molde social, através de informação, comércio e alienação”.

Alguns séculos transcorreram na acomodação dos valores, terras e interesses. Hoje, todavia, o branco também é alvo de aculturação pelos semelhantes, através dos meios de comunicação.

São utilizados o rádio, imprensa escrita e falada, publicidade, propaganda, fotografia, telefone, cinema, teatro, etc. Computadores e recursos tecnológicos cada dia mais sofisticados alargam horizontes de maneira universal.

Porém, entre os meios de informação, o maior enfoque é sem dúvida da TV. Esta, especialmente a modalidade aberta, foi a maior invasora dos lares. A TV fechada, mais restrita, devido ao custo, tem menor audiência. Da TV aberta no Brasil, era esperada destacada função cultural. O resultado, porém, foi desastroso.

Cazuza deixou gravada a canção “Brasil mostra a tua cara”. Música-manifesto, nos anos 80 da ditadura militar no país, protestou contra os escândalos políticos, desigualdades sociais e às injustiças. Conclamou, entre as estrofes, “ver TV a cores, na taba de um índio programada pra dizer sim, sim”. Acusou esse meio de comunicação e a “Aldeia Global” de servir de instrumento de manobra nas mãos do poder.

A TV não cumpriu missão democrática; pelo contrário, mais parece um anestésico social. Transformou nossa legítima cultura, em produto de cultura de massa; isso significa cópia da produção global promovida por multinacionais; fabricados em série, sem características individuais, fruto de modismo inconseqüente.

Objetos são usados na sociedade como “efeito manada”, para não destoar da maioria. É essencialmente alienadora. Por alienação se entende “destruição das culturas enraizadas e introdução de costumes estranhos”, como a cultura de massa.

A palavra alienação vem do latim alienus, que originou alheio, “o que pertence a outro”, de fora. Os filósofos, Marcuse, Sartre, Hegel e Marx conceituam como “uma atividade na qual a essência do agente é afirmada como algo externo ou alheio a ele, assumindo a forma de uma dominação hostil sobre o agente”; pessoa alienada, vive à margem da realidade e se deixa manipular facilmente. 

Por sua vez, a expressão cultura de massa, ganhou o conceito de indústria cultural, na Escola de Frankfurt, por Adorno e Horkheimer, publicado após a Segunda Guerra; significa “produto de atividade econômica universal, vinculado ao capitalismo”; oprime as demais culturas, valoriza os gostos da massa social, pronto pra consumo; é “hipnotizante, entorpecente, enfim, alienadora”.

Tentativas de preservação cultural na TV brasileira, resultaram na preferência pelo folclórico; o verdadeiro significado de folclore seriam “lendas, costumes, crenças populares expressas em cantos ou canções”; tradições coletivas, populares, com características nacionais. Como exemplo, é o bumba meu boi, o frevo e a música caipira de viola, etc..   

Mas na TV nacional, com o objetivo financeiro, o folclórico também foi deturpado. Assumiu outras características adaptadas ao gosto público; modificou-se a música caipira, por exemplo, a reproduziu misturada com trajes de cowboys americanos, com cantores que interessavam à indústria cultural.   

Os meios de informação, especialmente a televisão, na função alienadora, hoje lembram os doadores de espelhinhos, presenteados aos tupiniquins; com programas de baixo nível de educação e politização, deixam os expectadores admirados, dominados pela aculturação e aceitação da prostituída cultura de massa.

 Bem como aos nossos ancestrais, as roupas também são “orientadas”. Antes eram obrigatórias pra não exporem os genitais. Agora, na sociedade, são todas uniformes, das mesmas “marcas” clássicas, manipuladas pela indústria cultural.

Mas no maior espetáculo aberto do mundo, o Carnaval brasileiro, voltaram as penas indígenas, porém só nos cocares. Lembram os silvícolas na descoberta da Terra de Santa Cruz, retratados no quadro da Primeira Missa, pelo genial catarinense Vitor Meireles. Porém, agora, desapareceu a ingenuidade e foi reproduzida, numa nudez trabalhada; com nádegas e seios siliconados à mostra, frutos de uma cara padronização, de novos hábitos, cirúrgicos.       

Ritos e danças indígenas, africanas e brasileiras, foram substituídos pelos ritmos importados, iguais aos das baladas globais. Alvo de interesse comercial, como entre nossos antepassados tupiniquins, a língua portuguesa recebeu estrangeirismos; substitutos e enxertos, principalmente americanos e franceses. Em breve, quem sabe, teremos acréscimo em mandarim, mais difíceis de pronunciar.

Enfim, é o predomínio da aculturação, promovida pela TV brasileira, com a introdução de novos hábitos, como a “goma de mascar” americana; é só mastigar com insistência e aproveitar. Numa metáfora, também contamos com a ação televisiva da “goma de colar”, grudando nossos neurônios, impedidos de pensar e criar, mas prontos pro consumo da indústria cultural

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