Recém descoberta, a Terra de
Santa Cruz dos tupiniquins, recebia com surpresa a chegada dos brancos. A comunicação
era difícil no começo, o medo ameaçava culturas
opostas. Mau cheiro dos recém chegados
sem banho, misturado com a nudez ingênua dos selvagens.
Espelhos ofertados empolgavam os
índios; admiravam-se com a própria imagem, antes só refletida na clareza dos
rios. O contato no início foi amistoso. Não houve resistência ao invasor, cheio
de presentes.
No quadro pintado pelo
catarinense Vitor Meireles, da Primeira Missa do Brasil, celebrada em abril de
1500, se observa a aceitação dos indígenas; acompanhando os fatos com
naturalidade, até trepados nas árvores. Usavam penas também pra cobrir os
genitais, acomodando a vontade dos brancos.
Aos poucos, porém, foram alvos de
interesses. Representavam mão de obra barata nas plantações e exploração do pau-brasil.
Entretanto, aos jesuítas só interessava a catequese dos pagãos; conversão pra
Igreja, salvação das almas, uso de “roupas decentes” e ensino da língua da
Coroa Portuguesa.
Todavia, os índios não se
submetiam ao trabalho escravo. Não davam valor à produtividade, ao acúmulo de
riquezas. Fugiam do regime forçado. A
energia era usada pra caça, pesca e guerra com outras tribos. Mas a Igreja
Católica não desistia da pregação cristã.
Nativos com “roupas” e hábitos
diferentes, fugiam pra outras terras das perseguições, interessadas na mão de
obra. Até bandeirantes paulistas queriam prender os selvagens. Na ânsia da
conversão jesuíta, ritos e valores indígenas, pajelança, tudo passou a ser
questionado.
Iniciavam, assim, os primeiros
passos da aculturação. A cultura de um povo é concebida como “acúmulo
de experiências de efeito favorável”. Aculturação,
porém, “produz outro molde social, através de informação, comércio e alienação”.
Alguns séculos transcorreram na
acomodação dos valores, terras e interesses. Hoje, todavia, o branco também é
alvo de aculturação pelos semelhantes,
através dos meios de comunicação.
São utilizados o rádio, imprensa
escrita e falada, publicidade, propaganda, fotografia, telefone, cinema,
teatro, etc. Computadores e recursos tecnológicos cada dia mais sofisticados
alargam horizontes de maneira universal.
Porém, entre os meios de
informação, o maior enfoque é sem dúvida da TV. Esta, especialmente a
modalidade aberta, foi a maior invasora dos lares. A TV fechada, mais restrita,
devido ao custo, tem menor audiência. Da TV aberta no Brasil, era esperada
destacada função cultural. O
resultado, porém, foi desastroso.
Cazuza deixou gravada a canção
“Brasil mostra a tua cara”. Música-manifesto, nos anos 80 da ditadura militar
no país, protestou contra os escândalos políticos, desigualdades sociais e às injustiças.
Conclamou, entre as estrofes, “ver TV a cores, na taba de um índio programada
pra dizer sim, sim”. Acusou esse meio de comunicação e a “Aldeia Global” de
servir de instrumento de manobra nas mãos do poder.
A TV não cumpriu missão
democrática; pelo contrário, mais parece um anestésico social. Transformou
nossa legítima cultura, em produto de
cultura de massa; isso significa
cópia da produção global promovida por multinacionais; fabricados em série, sem
características individuais, fruto de modismo inconseqüente.
Objetos são usados na sociedade
como “efeito manada”, para não destoar da maioria. É essencialmente alienadora. Por alienação se entende “destruição das culturas enraizadas e introdução de costumes estranhos”, como a cultura de massa.
A palavra alienação vem do latim alienus,
que originou alheio, “o que pertence
a outro”, de fora. Os filósofos,
Marcuse, Sartre, Hegel e Marx conceituam como “uma atividade na qual a essência
do agente é afirmada como algo externo ou alheio
a ele, assumindo a forma de uma dominação hostil sobre o agente”; pessoa alienada, vive à margem da realidade e
se deixa manipular facilmente.
Por sua vez, a expressão cultura de massa, ganhou o conceito de indústria cultural, na Escola de
Frankfurt, por Adorno e Horkheimer, publicado após a Segunda Guerra; significa “produto
de atividade econômica universal, vinculado ao capitalismo”; oprime as demais culturas, valoriza os gostos da massa
social, pronto pra consumo; é “hipnotizante, entorpecente, enfim, alienadora”.
Tentativas de preservação cultural na TV brasileira, resultaram na
preferência pelo folclórico; o
verdadeiro significado de folclore
seriam “lendas, costumes, crenças populares expressas em cantos ou canções”;
tradições coletivas, populares, com características nacionais. Como exemplo, é
o bumba meu boi, o frevo e a música caipira de viola, etc..
Mas na TV nacional, com o objetivo financeiro, o folclórico também foi deturpado. Assumiu outras características
adaptadas ao gosto público; modificou-se a música caipira, por exemplo, a
reproduziu misturada com trajes de cowboys americanos, com cantores que
interessavam à indústria cultural.
Os meios de informação,
especialmente a televisão, na função alienadora,
hoje lembram os doadores de espelhinhos, presenteados aos tupiniquins; com
programas de baixo nível de educação e politização, deixam os expectadores
admirados, dominados pela aculturação
e aceitação da prostituída cultura de
massa.
Bem como aos nossos ancestrais, as roupas
também são “orientadas”. Antes eram obrigatórias pra não exporem os genitais.
Agora, na sociedade, são todas uniformes,
das mesmas “marcas” clássicas, manipuladas
pela indústria cultural.
Mas no maior espetáculo aberto do
mundo, o Carnaval brasileiro, voltaram as penas indígenas, porém só nos
cocares. Lembram os silvícolas na descoberta da Terra de Santa Cruz, retratados
no quadro da Primeira Missa, pelo genial catarinense Vitor Meireles. Porém,
agora, desapareceu a ingenuidade e foi reproduzida,
numa nudez trabalhada; com nádegas e
seios siliconados à mostra, frutos de uma cara padronização, de novos hábitos, cirúrgicos.
Ritos e danças indígenas,
africanas e brasileiras, foram substituídos pelos ritmos importados, iguais aos
das baladas globais. Alvo de interesse comercial, como entre nossos
antepassados tupiniquins, a língua portuguesa recebeu estrangeirismos;
substitutos e enxertos, principalmente americanos e franceses. Em breve, quem
sabe, teremos acréscimo em mandarim, mais difíceis de pronunciar.
Enfim,
é o predomínio da aculturação, promovida
pela TV brasileira, com a introdução de
novos hábitos, como a “goma de mascar”
americana; é só mastigar com insistência e aproveitar. Numa metáfora, também
contamos com a ação televisiva da “goma
de colar”, grudando nossos neurônios, impedidos de pensar e criar, mas prontos
pro consumo da indústria cultural.
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