quarta-feira, 23 de abril de 2014

Mídia, Educação e Leitura



O trabalho paciencioso dos monges copistas da Idade Média seguia tranquilo, juntando pedaços de pano e pergaminhos na confecção artesanal de livros. A maior parte dos mosteiros tinha bibliotecas, onde se guardavam os manuscritos.

Copiavam à mão obras religiosas, de filosofia, medicina e autores clássicos. Demoravam anos pra confeccionar um livro. Como eram raros e muito caros, prendiam em correntes para dar maior segurança.

Porém, em meados do século XV, o mundo viveu um dos maiores acontecimentos da história. Chamou mais atenção que o próprio descobrimento da América. Em 1455, Gutenberg, na Alemanha, inventou a imprensa, usando tipos móveis e imprimindo a Bíblia Sagrada em letras góticas.

Estavam abalados, a partir de então, não só a tranqüilidade dos beneditinos, mas a velocidade da informação no mundo. Foi a mais significativa ocorrência no desenvolvimento da vida humana; para muitos cientistas, teve mais impacto que a invenção do automóvel, rádio, cinema, televisão, cinema e internet, pois sem Gutenberg nenhum deles, “quem sabe”, teriam aparecido.

Coma prensa, a informação passou a ter outro significado. No Brasil, a transmissão dos novos acontecimentos, foi bem mais lenta. Após o descobrimento, a repressão portuguesa era intensa, pela riqueza que a grande colônia representava, evitando ensaios de independência.

Enquanto México, Peru e EUA no século XVI já contavam com tipografias, a proibição no Brasil era completa. Em 1746, por exemplo, Antônio Isidoro da Fonseca, transferiu a oficina de Lisboa para o Rio de Janeiro; imprimiu dois textos bem comportados, mas uma Ordem Régia seqüestrou os bens de Isidoro e condenou a deportação pra Portugal.

Porém, em 1808, Dom João VI fugiu pro Brasil, perseguido por Napoleão. Na frota, a nau Medusa trouxe uma tipografia que Lisboa recentemente encomendara de Londres; chegaram assim, finalmente, as condições que dariam início à imprensa brasileira.

Possibilitou naquele ano a produção da Gazeta do Rio de Janeiro; no início, informava apenas ações administrativas e a vida social no Reino. Era a única imprensa permitida no país; mas depois produziu artigos nas áreas científicas, formação da Academia Militar, cursos de Engenharia e romances; foi o embrião do atual Diário Oficial brasileiro.

Infelizmente a colônia dispunha de poucos leitores, devido ao grande índice de analfabetos. As tentativas de tipografia no restante do Brasil, como na Bahia e Pernambuco foram perseguidas e abortadas.

Entretanto de Londres, Hipólito da Costa, futuro Patrono do Jornalismo do Brasil, também em 1808, lançou o Correio Braziliense-Armazém Literário; com oposição doutrinária à Dom João VI, pregava a liberdade, mas sem sangue nem guerra. Na realidade era monarquista e é discutível o papel que desempenhasse contra a escravidão; revolucionário, não no sentido bélico, mas do ponto de vista moral, cultural e social.

Hipólito nasceu na colônia portuguesa, em Sacramento, atual Uruguai, porém, com formação nos EUA, vivenciou naquele país novos conceitos de liberdade. Entretanto, só encontrou em Londres o ambiente ideal pra criticar a orientação administrativa da monarquia brasileira; o Correio Braziliense circulava, em 1808, clandestinamente em nosso meio.
 Dom Pedro I decretou, em 1821, o fim da censura prévia no país e surgiu nesta data o Diário do Rio de janeiro, considerado o primeiro jornal informativo do Brasil. Mesmo assim, Frei Caneca, em 1825, acabou fuzilado em Pernambuco por defender a liberdade de imprensa e o fim da escravidão.

Diferente dos antecessores, Dom Pedro II foi mais liberal e tolerava as publicações republicanas. Com o fim da Monarquia no país, em 1889, estava aberto o caminho pra circulação de outros periódicos.

Vivemos após, períodos de certa liberdade de imprensa, com a criação de vários jornais. Alguns, como o Estado de São Paulo e o Jornal do Brasil, no Rio de janeiro, criados no fim do século XIX, circulam até hoje.

Na década de 20 do século passado, iniciou o período áureo do Jornalismo brasileiro. Os Diários Associados de Assis Chateaubriand formaram um conglomerado inovador. Chegaram a reunir em todo o país 36 jornais, 18 revistas, 36 rádios e 18 emissoras de televisão.

Porém, entre 1934 a 1945, a censura à comunicação tornou-se férrea através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante a ditadura de Getúlio Vargas. Vetou o registro de 420 jornais e de 346 revistas.

 Com o militarismo no Brasil, de 1964 a 1984, novamente os órgãos de comunicação não alinhados ao governo, sofreram também sérias represálias. A edição do Ato Institucional número 2, fez com que o “Jornalismo sério” encolhesse de modo significativo.

A imprensa brasileira, com poucas exceções, priorizou sempre os interesses das elites dos poderes políticos e econômicos na troca de favores. Os objetivos comunitários, porém, foram lembrados quando as pressões populares se tornaram quase insuportáveis.

Assim, se obrigou a ser parceira da sociedade no fim da ditadura, quando os próprios militares começaram a admitir a abertura política. A Folha de São Paulo, encampou o movimento e  publicou um editorial convocando a sociedade para o movimento Diretas Já.  

Na campanha pró Impeachment de Fernando Collor de Mello, os órgãos de comunicação que não aderissem, seriam alvo de discriminação popular. Ninguém poderia “perder a oportunidade de estar com o povo”.

Com o fim dos regimes de exceção, os periódicos nacionais buscaram, a partir de então, modernidade e entraram na fase eletrônica. O Jornal do Brasil foi o primeiro, com a inauguração em 1995 do JB Online.   

Mesmo com todas as conquistas democráticas, tecnológicas e econômicas, nosso jovem país tem patinado em Educação. A deficiência do sistema educacional brasileiro, nos ensinos fundamental e médio se reflete na preparação dos candidatos aos cursos universitários.

Há mais de 20 anos o Brasil já era oitava economia do planeta. Porém, países sem essa distinção, como a Coréia do Sul, perceberam há muito tempo que só com Educação, seriam competitivos. Hoje somos a sétima, quem sabe logo seremos a sexta potência econômica do mundo; mas em Educação, nossos níveis continuam assustadores.

O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) é hoje o principal exame para medir a qualidade da educação no mundo. Os resultados de 2009, sua última edição, mostraram o Brasil em uma situação delicada: no 53º lugar entre 65 países no Pisa.

A Coréia do Sul vive atualmente uma febre educacional. Os alunos sul-coreanos estão entre os melhores do mundo em matemática, ciência e leitura, de acordo com os resultados do Pisa. Segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 97% dos estudantes completam o ensino médio - o mais alto percentual entre todos os países pesquisados.

Para que possamos mudar nossos índices, é necessário também uma autêntica democratização nas comunicações; isto  seria possível através do acesso  a valores éticos nos meios de informação, criando condições de reflexão, análise, produção de conhecimento e desenvolvimento do nosso pensamento crítico.        

Torna-se fundamental através uma mídia democratizada, discussões de questões educacionais, ambientais, de moradia, pesquisas científicas, políticas públicas de saúde, dúvidas e esperanças sociais. Infelizmente não é o que acessamos, no cotidiano, pois o que temos atualmente é uma TV com ação social alienadora.

Herbert Blumer, da Escola de Chicago alertou para o perigo do efeito de filmes sobre as crianças e adultos jovens. Revelou que o “cinema ensina estilo de vida, penteados, o modo de beijar e até mesmo como bater carteiras”.

Blumer disse ainda que “o modo que as pessoas vêem os objetos depende do significado destas coisas para elas, e este significado ocorre como um processo de interação social”. Porém, é maligna a exposição diária da telinha alienante e invasora dos lares brasileiros.

Para Vygotsky o desenvolvimento das capacidades humanas ocorre num campo de trocas entre os mundos interno e o externo, construtores da nossa subjetividade. Seria um processo contínuo de intercâmbios transformadores, automoldáveis, resultando num subjetivo mais elaborado; ou seja em melhor conteúdo individual e de maior valor pessoal. Que sistema de trocas podemos esperar de uma mídia não democratizada e alienadora?

Agora, vamos ver alguns dados atuais sobre o Jornalismo no Brasil. Existem cerca de 120 cursos no país, formando em média 5000 profissionais por ano; mas de acordo com a organização Repórteres sem Fronteira, ocupávamos em 2012, a 99° posição no ranking de liberdade de expressão no mundo.

Mesmo sem o regime militar há cinco décadas, nosso país em 2013, foi o terceiro com maior número de mortes de profissionais de imprensa no exercício da função, com sete jornalistas assassinados naquele ano; atrás apenas da Síria, Somália e México, segundo a Campanha Emblema para a Imprensa, entidade com sede em Genebra.

Com a velocidade das publicações, hoje cada vez mais instantâneas, somada à censura de informação e mortes de jornalistas, à intensa ação alienadora da imprensa, que atitudes teriam, Gutenberg, produtor das primeiras Bíblias Sagradas impressas e os pacatos monges copistas, se deparassem com o mundo atual? Santos Dumont não suportou que os aeroplanos inventados com tanto esforço, para fins benéficos, fossem utilizados na ação destruidora da guerra. Respondeu com suicídio.

Não sendo tão pessimistas, lembramos escritores como Cervantes, que após 400 anos, que ainda é citado como otimista. Disse que, como o personagem Dom Quixote, sonhava com o que existia de mais sensato no ser humano e acreditava que isto poderia ser melhor explorado e realizado.

Igualmente, o imortal Monteiro Lobato, autor de tantos livros educativos infantis, deixou considerações sobre o futuro da raça humana; porém, desde que existissem condições de igualdade em todos os sentidos.  Numa metáfora de significado social, dizia, “quem tem força, abusa do menos favorecido e só haverá paz no mundo, quando todos os países tiverem armas iguais, ou seja, quando todos tiverem bombas atômicas”.

                 Isso só seria possível, quando todos tivermos acesso à Educação, em condições igualitárias, utilizando os recursos proporcionados por Gutenberg, na paciente construção individual pela leitura, como monges beneditinos; com a colaboração de uma mídia democratizada e não alienadora, na formação de subjetivos mais bem informados, que possam ser também transformadores da sociedade.

terça-feira, 15 de abril de 2014

TV e Cultura no Brasil




Recém descoberta, a Terra de Santa Cruz dos tupiniquins, recebia com surpresa a chegada dos brancos. A comunicação era difícil no começo, o medo ameaçava culturas opostas.  Mau cheiro dos recém chegados sem banho, misturado com a nudez ingênua dos selvagens.

Espelhos ofertados empolgavam os índios; admiravam-se com a própria imagem, antes só refletida na clareza dos rios. O contato no início foi amistoso. Não houve resistência ao invasor, cheio de presentes.

No quadro pintado pelo catarinense Vitor Meireles, da Primeira Missa do Brasil, celebrada em abril de 1500, se observa a aceitação dos indígenas; acompanhando os fatos com naturalidade, até trepados nas árvores. Usavam penas também pra cobrir os genitais, acomodando a vontade dos brancos.

Aos poucos, porém, foram alvos de interesses. Representavam mão de obra barata nas plantações e exploração do pau-brasil. Entretanto, aos jesuítas só interessava a catequese dos pagãos; conversão pra Igreja, salvação das almas, uso de “roupas decentes” e ensino da língua da Coroa Portuguesa.

Todavia, os índios não se submetiam ao trabalho escravo. Não davam valor à produtividade, ao acúmulo de riquezas. Fugiam do regime forçado.  A energia era usada pra caça, pesca e guerra com outras tribos. Mas a Igreja Católica não desistia da pregação cristã.

Nativos com “roupas” e hábitos diferentes, fugiam pra outras terras das perseguições, interessadas na mão de obra. Até bandeirantes paulistas queriam prender os selvagens. Na ânsia da conversão jesuíta, ritos e valores indígenas, pajelança, tudo passou a ser questionado. 

Iniciavam, assim, os primeiros passos da aculturação. A cultura de um povo é concebida como “acúmulo de experiências de efeito favorável”. Aculturação, porém, “produz outro molde social, através de informação, comércio e alienação”.

Alguns séculos transcorreram na acomodação dos valores, terras e interesses. Hoje, todavia, o branco também é alvo de aculturação pelos semelhantes, através dos meios de comunicação.

São utilizados o rádio, imprensa escrita e falada, publicidade, propaganda, fotografia, telefone, cinema, teatro, etc. Computadores e recursos tecnológicos cada dia mais sofisticados alargam horizontes de maneira universal.

Porém, entre os meios de informação, o maior enfoque é sem dúvida da TV. Esta, especialmente a modalidade aberta, foi a maior invasora dos lares. A TV fechada, mais restrita, devido ao custo, tem menor audiência. Da TV aberta no Brasil, era esperada destacada função cultural. O resultado, porém, foi desastroso.

Cazuza deixou gravada a canção “Brasil mostra a tua cara”. Música-manifesto, nos anos 80 da ditadura militar no país, protestou contra os escândalos políticos, desigualdades sociais e às injustiças. Conclamou, entre as estrofes, “ver TV a cores, na taba de um índio programada pra dizer sim, sim”. Acusou esse meio de comunicação e a “Aldeia Global” de servir de instrumento de manobra nas mãos do poder.

A TV não cumpriu missão democrática; pelo contrário, mais parece um anestésico social. Transformou nossa legítima cultura, em produto de cultura de massa; isso significa cópia da produção global promovida por multinacionais; fabricados em série, sem características individuais, fruto de modismo inconseqüente.

Objetos são usados na sociedade como “efeito manada”, para não destoar da maioria. É essencialmente alienadora. Por alienação se entende “destruição das culturas enraizadas e introdução de costumes estranhos”, como a cultura de massa.

A palavra alienação vem do latim alienus, que originou alheio, “o que pertence a outro”, de fora. Os filósofos, Marcuse, Sartre, Hegel e Marx conceituam como “uma atividade na qual a essência do agente é afirmada como algo externo ou alheio a ele, assumindo a forma de uma dominação hostil sobre o agente”; pessoa alienada, vive à margem da realidade e se deixa manipular facilmente. 

Por sua vez, a expressão cultura de massa, ganhou o conceito de indústria cultural, na Escola de Frankfurt, por Adorno e Horkheimer, publicado após a Segunda Guerra; significa “produto de atividade econômica universal, vinculado ao capitalismo”; oprime as demais culturas, valoriza os gostos da massa social, pronto pra consumo; é “hipnotizante, entorpecente, enfim, alienadora”.

Tentativas de preservação cultural na TV brasileira, resultaram na preferência pelo folclórico; o verdadeiro significado de folclore seriam “lendas, costumes, crenças populares expressas em cantos ou canções”; tradições coletivas, populares, com características nacionais. Como exemplo, é o bumba meu boi, o frevo e a música caipira de viola, etc..   

Mas na TV nacional, com o objetivo financeiro, o folclórico também foi deturpado. Assumiu outras características adaptadas ao gosto público; modificou-se a música caipira, por exemplo, a reproduziu misturada com trajes de cowboys americanos, com cantores que interessavam à indústria cultural.   

Os meios de informação, especialmente a televisão, na função alienadora, hoje lembram os doadores de espelhinhos, presenteados aos tupiniquins; com programas de baixo nível de educação e politização, deixam os expectadores admirados, dominados pela aculturação e aceitação da prostituída cultura de massa.

 Bem como aos nossos ancestrais, as roupas também são “orientadas”. Antes eram obrigatórias pra não exporem os genitais. Agora, na sociedade, são todas uniformes, das mesmas “marcas” clássicas, manipuladas pela indústria cultural.

Mas no maior espetáculo aberto do mundo, o Carnaval brasileiro, voltaram as penas indígenas, porém só nos cocares. Lembram os silvícolas na descoberta da Terra de Santa Cruz, retratados no quadro da Primeira Missa, pelo genial catarinense Vitor Meireles. Porém, agora, desapareceu a ingenuidade e foi reproduzida, numa nudez trabalhada; com nádegas e seios siliconados à mostra, frutos de uma cara padronização, de novos hábitos, cirúrgicos.       

Ritos e danças indígenas, africanas e brasileiras, foram substituídos pelos ritmos importados, iguais aos das baladas globais. Alvo de interesse comercial, como entre nossos antepassados tupiniquins, a língua portuguesa recebeu estrangeirismos; substitutos e enxertos, principalmente americanos e franceses. Em breve, quem sabe, teremos acréscimo em mandarim, mais difíceis de pronunciar.

Enfim, é o predomínio da aculturação, promovida pela TV brasileira, com a introdução de novos hábitos, como a “goma de mascar” americana; é só mastigar com insistência e aproveitar. Numa metáfora, também contamos com a ação televisiva da “goma de colar”, grudando nossos neurônios, impedidos de pensar e criar, mas prontos pro consumo da indústria cultural