terça-feira, 5 de agosto de 2014

Histórias em Quadrinhos na Arte Sacra




E agora, vamos ver a Via Sacra, obra de Portinari!

O guia turístico orientava em direção à Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha, em Belo Horizonte, Minas Gerais. O templo, projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, é consideradado obra prima do conjunto; porém, pemaneceu mais de uma década fechado, devido à forma inusitada da arquitetura e à representação genial de Portinari, que escandalizaram as autoridades eclesiásticas.

Curiosamente, os quatorze anos em que a igreja ficou fechada, coincidiram exatamente com o número dos painéis da Via Crucis, de Cândido Portinari, represntando o martírio de Jesus em representações seriadas. A Arte sacra é considerada uma representação de assuntos ou personagens religiosos.

Mas o interessante é que o enfoque em série, que algumas obras artisticas revelam, se assemelham à representação atual das histórias em quadrinhos (HQ)s; procuram transmitir uma noção de continuidade e deslocamento e têm raízes bem mais antigas que as diferentes interpretações descritas da Via Dolorosa de Jesus, que as esculturas e os vitrais em sequência.

As interpretações das Estações da Cruz, de outros artistas, também se encontram em templos de várias partes do mundo, principalmente no Vaticano. Em Lourdes, na França, por exemplo, as figuras estão ao ar livre, em tamanho natural, seguindo as etapas em sequência do sofrimento de Cristo.

As manifestações artísticas seriadas estão igualmente na escultura em muitas regiões do planeta. No Brasil, as obras de Aleijadinho, onde 12 profetas foram esculpidos em pedra sabão, no século XVIII, estão expostas lado a lado, no adro do santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, Minas Gerais.

Da mesma forma, em Florença, na Itália, no início do século XV, Masaccio deixou um ciclo de afrescos sobre a vida de São Pedro. Os vitrais, por sua vez, encantam religiosos e visitantes em templos católicos medievais e muitos dão uma sensação de roteiro em série.

No século XVII, surgiu na Itália a Arte Barroca, como intensa propaganda da Igreja contra a Reforma Protestante e a fragmentação do cristianismo. Diferente do Renascimento, onde a representação é estática, no Barroco as figuras têm uma conotação teatral, como estivessem sempre em movimento. A finalidade era chamar atenção e atrair mais fiéis.  

Porém, a disposição para relatar acontecimentos, através de imagens, é muito mais antiga e já existiam na pré-história, há cerca de quinze ou dezessete mil anos, confirmadas cientificamente com Carbono 14; foram descobertas nas inscrições de Lascaux, perto de Montignac, na França em 1940 e comprovadas como inscrições rupestres, representantes da Era do Alto Paleolítico.

Estão presentes nas representações daquela caverna, figuras gigantes de bisões, cavalos e felinos, alguns com aspectos míticos, como representações de homens com cabeça de pássaros; obedecem uma continuidade como nos quadrinhos atuais. As cores predominantes das formas são amarelo, preto e ocre. Estudos revelaram que as tintas eram principalmente produtos de ossos e sangue animais.  

Também em Roma, no ano 113, o imperador Trajano construiu uma torre curiosa, com 38 metros de altura, em mármore, para comemorar a vitória contra os dácios. Em toda a volta, em espiral, em baixo relevo, estão inscritas em série, cenas de aspectos geográficos e batalhas, com um desenho de árvore, separando cada acontecimento. É uma verdadeira apresentação em HQs.

Gutemberg criou os tipos móveis em 1450, produziu a Bíblia Sagrada em grande quantidade e permitiu a disponibilidade de toda a impressão gráfica. E a sequência narrativa empolgou os leitores com as mais diversas motivações; mensagens de política, protesto, compartilhamento, educação e lazer invadiram o mundo com vinhetas seriadas.

Porém, o pioneiro dos quadrinhos, semelhantes aos atuais, foi o professor suíço Rodolphe Töpffer (1799-1846), que desenvolveu M.Vieux-Bois. Todavia, ele dizia que se inspirou em gravuras em série do inglês William Hogarth, no início do século XVIII.  

Contudo, a consagração da primeira HQ com formatos considerados modernos é de Richard Outcault, em 1895, no jornal World, em Nova York, com a tirinha Yellow Kid. Já possuía balões gráficos contendo as expressões dos personagens como nos quadrinhos atuais.  

As emoções vividas pelos figurantes passaram a ser expressas em formas verbais ou não, mas com uma montagem sequencial, narrativa, satírica ou mística. O cinema logo se apossou da criatividade gráfica expressando movimento e iniciou a modalidade muda em salas de projeções para empolgadas platéias, acompanhando pelo música ao vivo, a geração dos fatos apresentados.

Enfim, o fascínio dos atos seriados da vida empolgaram a raça humana desde a pré-história, documentados nas inscrições rupestres das cavernas de Lascaux; nas espirais de sequência histórica em baixo relevo da coluna de Trajano; nas empolgantes interpretações do magnetismo espiritual da Via Sacra nos vitrais e afrescos de apresentação cíclica de Masaccio dos templos católicos, fiéis guardiões da fé cristã; nas esculturas seguindo os passos de Cristo, ao ar livre, em Lourdes; na apresentação lado a lado dos profetas em pedra sabão  de Aleijadinho; na conotação teatral, lembrando movimentos, da Arte Barroca italiana.

A linha do tempo da expressão humana se perde na história em sucessivas etapas gravadas. Porém são composições de emoções com subjetividades marcantes, construídas com raízes culturais de guerras, conquistas, políticas, satíricas, míticas e místicas. Constituem amplas expressões culturais de gerações da raça humana e devem ser valorizadas nas manifestações de criatividade, em exposições seriadas de evolução material e espiritual.